Opções Regulatórias

O Código Florestal (Art. 48, Lei n o 12651/2012 – link) estabelece que a cota de reserva ambiental (CRA) só poderá ser utilizada para compensar Reserva Legal de imóvel rural dentro do mesmo bioma e estado, ou no mesmo bioma em outro estado nas áreas identificadas como prioritárias pela União ou pelos Estados (Art. 66, § 6o, III). O governo federal estabeleceu como sendo prioritárias as áreas identificadas pelo PROBIO, um mapa criado para guiar as ações de conservação da biodiversidade. Além disso, o mesmo decreto reafirma o direito dos estados em definir áreas adicionais como prioritárias, sem para isso definir critérios mínimos. Por isso em teoria os estados podem estabelecer todo seu território como sendo área prioritária e desse modo possibilitar a venda de CRA para qualquer estado (Decreto n o 8234/2014). Sendo assim, dependendo da regulamentação aprovada por estados e o governo federal o mercado de CRA poderá se restringir ao estado e bioma ou incluir todos os estados dentro do mesmo bioma. Além disso, se o governo decidir autorizar a emissão de CRAs em assentamentos rurais do INCRA e em áreas privadas dentro de unidades de conservação a oferta de títulos pode aumentar consideravelmente.

A definição da jurisdição do mercado de CRA e a inclusão de CRAs de unidades de conservação e assentamentos tem impactos ambientais e econômicos substanciais. Do ponto de vista econômico quanto mais ampliado o mercado mais baixo é o valor da CRA em todos os biomas e estados. Isso ocorre porque ao permitir a entrada de CRA de estados cujos produtores estão dispostos a receber quantias mais baixas pela CRA, não só a oferta aumenta mas também a inclusão de títulos com valores mais baixo deprecia o preço de equilíbrio das CRAs. Mesmo assim, o total transacionado pelo mercado de CRA não muda substancialmente entre os cenários tendo em vista disponibilidade de CRA em todos os estados, e o custo inferior à restauração florestal mesmo nos mercados mais restritos.

Do ponto de vista ambiental é possível notar em que a introdução do mercado de CRA gera um balanço negativo de CO2 em relação à obrigatoriedade dos proprietários de restauram localmente suas reservas legais. Isso ocorre pois enquanto a restauração florestal remove  CO2 da atmosfera a compra de CRA não necessária diminuir as emissões por desmatamento evitado visto que as CRAs em reserva legal de propriedades até quatro módulos ficais não poderiam ser desmatadas legalmente e o excedente florestal de áreas distantes da fronteira agrícola possuem um risco muito baixo de desmatamento. Mesmo assim, nos cenários em que o mercado de CRA é mais restritivo é possível notar que balanço do mercado melhora de forma substancial. Por exemplo, tomando como linha de base os mercados ampliados no nível do bioma e com títulos de unidades de conservação e assentamentos do INCRA, a restrição do mercado no nível do estado e bioma evitaria a emissão de 1.3±0.3 GtCO2e.

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Tabela 8 Mercado de CRA no Cenário 1: estado/bioma sem UC e assentamento com contrato e prazo de 30 anos

No Cenário 1 foi considerado um mercado limitado por estado e bioma e restrito às CRAs provindas de áreas privadas com título de propriedade. Porém, ao invés de considerar contratos de 5 anos, foram avaliados contratos 30 anos, utilizando dessa forma uma base diferente para a valoração (i.e. valor patrimonial da terra). Para esse cenário o modelo de equilíbrio parcial resultou em volume total de CRA a ser transacionado de 4,17 Mha, correspondendo a 89% da demanda provável. Nessas condições, o mercado alcançou um valor total do mercado de 19,8 ± 5,2 bilhões de Reais, com um preço de equilíbrio médio ponderado de R$ 4.750±1.246 por hectare de CRA.

Observou-se a formação de mercados de CRA em 22 dos 27 entes federativos, sendo que mercados estaduais com maior volume transacionado são o de Mato Grosso (1,8 Mha no bioma floresta Amazônica, e 864 mil ha no cerrado), São Paulo (494 mil ha na Mata Atlântica e 75 mil ha no cerrado), Paraná (318 mil ha na Mata Atlântica) e Rio Grande do Sul (107 mil ha nos Pampas). Os preços de equilíbrio da CRA obtiveram preços máximos de R$ 12.860 ± 4.967 no Cerrado de São Paulo e mínimo de R$ 1.022 ± 137 no Cerrado do Piauí. Apesar do valor elevado da CRA em diversas regiões, os ganhos dos vendedores de contratos de CRA em comparação com outros usos da terra alcançaram em média R$ 3,4 bilhões, porém, tendo em vista as incertezas ligadas ao excedente do vendedor nesse cenário de baixa demanda, não foi possível estabelecer um ganho real provindo da venda de títulos de CRA para esse grupo. Por outro lado, a compensação através do mercado de CRA trouxe uma economia aos produtores com déficit de reserva legal (i.e. excedente dos compradores) de R$ 30,7±2,7 bilhões em comparação com o preço da terra agrícola que seria perdida para a recomposição da reserva legal. Esse resultado é refletido pelo fato que, nesse cenário regulatório, as curvas de demanda e oferta não se cruzam em nenhum dos mercados, sendo que o valor máximo que os produtores estão dispostos a pagar (WTP) no ponto de esgotamento da demanda foi sempre substancialmente superior ao valor mínimo de venda da CRA (WTA) para o mesmo volume.

A Figura 1 e Figura 2 mostram a distribuição espacial dos vendedores e compradores de contratos CRA, respectivamente. É possível observar pelos mapas que se pode encontrar fornecedores de CRA em quase toda a extensão dos estados com mercados viáveis, porém as áreas com grande volume de CRA (i.e acima de 10 mil ha) se concentram em porções limitadas dos principais mercados: leste do Paraná, norte de Minas Gerais, sul de São Paulo, centro e nordeste para o cerrado e noroeste para a floresta Amazônica em Mato Grosso (Figura 1).

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Figura 1 Mapa de vendedores de contratos de CRA de menor preço e que satisfazem a demanda no Cenário 1.

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Figura 2 Mapa de compradores potenciais de CRA no Cenário 1.

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Tabela 9 Mercado de CRA no Cenário 2: estado/bioma com áreas prioritárias com contrato e prazo de 30 anos

O Cenário 2 se difere do anterior por incluir a oferta de CRA provindo de áreas de outros estados classificadas como prioritárias no mapa gerado pelo Programa da Biodiversidade (PROBIO) do Ministério do Meio Ambiente, como estabelecido pelo Art. 16 do Decreto nº 8.235/2014 (veja Error! Reference source not found. na página 21). Em particular, foi possível observar por meio do modelo de equilíbrio parcial que, nessa configuração, o volume total de CRA a ser transacionado no mercado se elevou para 4,67 Mha, correspondendo a 99% da demanda provável.

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O aumento no volume total de CRA transacionado nesse cenário com relação ao cenário anterior é explicado pela escassez de Mata Atlântica em São Paulo (117 mil ha), Mato Grosso do Sul (157 mil ha) e Goiás (18 mil ha), e de Cerrado em São Paulo (209 mil ha), para suprir os mercados locais (Tabela 10). Ao mesmo tempo, o aumento da demanda por Mata Atlântica em áreas prioritárias da Paraíba reduziu em 2144 ha a área compensada dentro do próprio estado. O aumento da demanda por CRAs de regiões de outros estados gerou também um aumento do preço de equilíbrio na Paraíba (Mata Atlântica +18%), Rio Grande do Norte (Caatinga e Mata Atlântica +33%), Maranhão (cerrado +12%) e Espírito Santo (Mata Atlântica +14%). Ao mesmo tempo, o influxo de CRAs de baixo preço provindo das áreas prioritárias de outros estados gerou uma queda de preço substancial em São Paulo (Cerrado -43%, Mata Atlântica -46%), Paraná (Cerrado -56% e Mata Atlântica -15%) e Mato Grosso do Sul (Cerrado -27%). Em consequência dessas mudanças, o valor total do mercado nesse cenário chegou a 17,4 ± 4,2 bilhões de reais, com um preço de equilíbrio médio ponderado de R$ 3.727 ± 907 por hectare de CRA, um valor 21% inferior ao estimado no Cenário 1. Ao mesmo tempo, o excedente dos compradores elevou-se para R$ 41,6 ± 2,1 bilhões, mostrando um distanciamento ainda maior entre os preços das terras agrícolas que deveriam ser destinadas para a recomposição da reserva legal e as terras com ativos florestais em áreas prioritárias de outros estados.

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Tabela 1 Mercado de CRA no Cenário 3: estado/bioma com UC e assentamentos.

O Cenário 3 busca compreender o efeito da inclusão em um mercado limitado pelo estado/bioma de CRAs provindas de áreas privadas dentro de unidades de conservação (16,9 Mha) e de ativos florestais e áreas de reserva legal dentro de assentamentos do INCRA (10,4 Mha). De modo similar ao Cenário 2, com a inclusão de CRAs de UCs e assentamentos, houve um aumento do volume de CRAs transacionadas em comparação ao Cenário 1, alcançando um total de 4,67 Mha, o que corresponde a 99% da demanda provável. Como no Cenário 2, esse aumento ocorreu devido à possibilidade de utilizar CRAs de UCs e assentamentos para suprir os mercados de Mata Atlântica em São Paulo (117 mil ha), Mato Grosso do Sul (157 mil ha) e Goiás (18 mil ha), e de Cerrado em São Paulo (209 mil ha) na ausência de CRAs no mercado local. Porém, não houve diminuição de CRAs compensadas nem aumento do preço das CRAs provindas de áreas privadas em nenhum outro estado/bioma tendo visto que essas cotas se originam de uma fonte alternativa.

Foi possível observar uma queda generalizada e substancial dos preços das CRAs principalmente por causa da entrada das cotas provindas de UCs nos biomas Amazônia (14 Mha) e Cerrado (2 Mha) a um preço médio de R$ 903 e R$ 1892, respectivamente. Esse influxo de créditos a baixo custo (tendo em vista a impossibilidade de uso agrícola dessas áreas) depreciou o preço da CRA em 24 dos 35 mercados nos biomas/estados. A queda do preço de equilíbrio da CRA foi particularmente acentuada em São Paulo (Cerrado -85% e Mata Atlântica -48%), Paraná (Cerrado -72% e Mata Atlântica -59%) e Mato Grosso (Cerrado -38%, Amazônia -71%). Em consequência dessas mudanças, o valor total do mercado alcançou somente R$ 10,5 ± 1,6 bilhões, com um preço de equilíbrio médio ponderado de R$ 2.263 ± 356 por hectare de CRA, um valor 52% inferior ao estimado no Cenário 1. Ao mesmo tempo, o excedente dos compradores elevou-se para 48,4 ± 0,8 bilhões de reais. Apesar de esse resultado ser positivo para os produtores deficitários, os dados apresentados acima sugerem que com a inclusão de CRAs de UCs e assentamentos irá inviabilizar economicamente a venda de contratos de CRA a partir de propriedades privadas nos principais mercados de compensação. Desse modo, serão anulados eventuais resultados positivos da venda de contratos de CRA em termos de preservação da vegetação nativa de áreas passíveis de desmatamento legal.

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Tabela 2 Mercado de CRA no Cenário 4: bioma com UCs e assentamentos.

O Cenário 4 parte da mesma oferta total do Cenário 3, ampliando porém a jurisdição do mercado para incluir CRA de outros estados. Nesse cenário, é possível observar o suprimento da quase totalidade de demanda por CRA no país (99%), com um aumento de menos de 10 mil ha no volume do mercado com relação ao Cenário 3. Ao mesmo tempo, houve uma depreciação ainda mais acentuada nos preços das CRAs nos estados por causa da soma dos efeitos da ampliação da jurisdição do mercado e da entrada de CRAs de baixo custo das unidades de conservação e assentamentos, que proveram grande parte da demanda. Por exemplo, o fornecimento de CRAs de áreas privadas somente na FLONA do Amazonas atende a quase totalidade por compensação no bioma Amazônia. Em comparação com o Cenário 1, o Cenário 4 apresenta uma queda de 88% e 68% no preço da CRA para o Cerrado e Mata Atlântica de São Paulo, respectivamente. De forma similar, o preço da CRA em Mato Grosso caiu 73% na floresta Amazônica e 52% no cerrado, sendo a queda desse último causada principalmente pelo grande volume e baixo preço das CRAs provindas de unidades de conservação na floresta Amazônica. Com isso o preço de equilíbrio médio ponderado da CRA cai para R$ 1.984 ± 316 (58% abaixo do Cenário 1). Em consequência desse preço, temos um valor de mercado total de R$ 9,2 ± 1,4 bilhões, o valor de mercado mais baixo entre os cenários de CRA em contratos com 30 anos de duração. Ao mesmo tempo, o excedente do comprador elevou-se para R$ 49,9 ± 0,74 bilhões. De modo ainda mais marcante que no Cenário 3, com a inclusão das CRAs de UCs e assentamentos em um mercado no nível do bioma, os principais compradores de contratos de CRA no país poderão compensar a reserva legal a um baixo custo, contratando cotas em outros estados e em unidades de conservação. Dessa forma soma-se o efeito da ampliação dos mercados à superoferta de CRAs a baixo custo no mercado.