Em uma análise histórica publicada em novo policy brief, pesquisadores do Centro de Sensoriamento Remoto (CSR), do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais (LAGESA), ambos da UFMG, analisaram políticas e ações desenvolvidas através dos anos para alertar para o desmonte atual dos órgãos de fiscalização e a crescente impunidade por crimes ambientais.

Os pesquisadores demonstram no documento “Dicotomia da impunidade do desmatamento ilegal” como a constituição do arcabouço legal a partir de 1988, a modernização do Ibama partir de 2003 – com qualificação dos profissionais, reajuste das multas e simplificação e descentralização do rito administrativo – foram fundamentais para garantir a punição pelos crimes ambientais e, consequentemente, contribuir para a redução recorde do desmatamento na Amazônia Legal.

Entretanto, com o novo Código Florestal, em 2012, há a volta do sentimento de impunidade com, por exemplo, a suspenção de grande parte dos 28 mil autos de infração aplicados por danos contra a flora cometidos antes de 2008 – totalizando um valor de até R$ 4,8 bilhões –, e com a possiblidade de cancelamento da multa caso o produtor rural se regularizasse num prazo de 20 anos.

Com a crise política e a eleição de Bolsonaro, eles demonstram que a situação se agravou, como é possível observar nos números apresentados pelo Ibama. Entre 2019 e 2020, houve uma redução de 43,5% na média anual de autos de infração contra a flora lavrados na Amazônia Legal em relação ao período de 2012 a 2018. Neste intervalo foram lavrados em média 4.620 autos anuais, enquanto no período 2019 a 2020 apenas 2.610, apesar de elevação das taxas de desmatamento na região.

Além da redução na fiscalização, a maior participação do exército nas operações de combate ao desmatamento na Amazônia brasileira e a recusa do governo em apoiar operações que envolvessem a destruição de equipamentos usados para a supressão florestal também reduziram o impacto econômico imediato da fiscalização.

Outra redução se deu na capacidade dos órgãos de responsabilizar os infratores. Além da unificação dos procedimentos de apuração das infrações, que antes eram feitos separadamente pelo Ibama e pelo ICMBio, e da criação da conciliação ambiental, o processo de julgamento voltou a ser concentrado nos superintendentes estaduais e no presidente, o que além de gerar gargalos e tornar o processo mais moroso, pode gerar conflitos de interesses uma vez que são cargos para os quais há nomeação por indicação política.

Assim, enquanto de 2014 a 2018 eram julgados anualmente em média 5 mil processos, em 2019 foram julgados 113 e em 2020 apenas 17. De forma similar, o número de multas pagas caiu de uma média de 688 entre 2014 e 2018 para 73 e 13 multas pagas em 2019 e 2020, respectivamente. Os pesquisadores também salientam que 2020 foi o primeiro ano da série histórica em que o número de desembargos foi superior ao de embargos, demonstrando que as atividades do Ibama que favorecem economicamente os produtores rurais mantiveram-se em curso.

Outro fator que reduz a capacidade de responsabilização pelos danos ambientais é a falta de analistas ambientais no Ibama. Desde 2012 o Ibama não realiza novos concursos, sendo que em 2020 o órgão registrou um déficit de 2.311 cargos no corpo de funcionários, sendo 970 de analista ambiental, 336 de analista administrativo e 1.005 de técnico administrativo, todos da Carreira de Especialista em Meio Ambiente. No mesmo ano haviam apenas 591 fiscais, sendo que em 2010 esse número era de 1.311, representando uma redução de 54,9%.

Desse modo, o estudo alerta que a continuidade dessa estratégia atual afeta não só a capacidade do Estado em punir novos danos ambientais, como também contribui para o aumento da impunidade, além de reduzir o efeito de todo o trabalho realizado na década anterior. Para reverter a situação, os autores afirmam que será necessário mais que uma recomposição orçamentária ou operações com apoio das Forças Armadas: será preciso fazer toda uma reestruturação das normas e do corpo de funcionários dos órgãos que atuam na fiscalização e no julgamento das infrações ambientais, além da recomposição do quadro de servidores.

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