Para calcular o balanço do CF, nós utilizamos a base de dados do CAR de janeiro de 2022. Nós analisamos somente propriedades privadas, excluindo portanto assentamentos e territórios quilombolas. Desconsideramos os CARs com sobreposição com unidades de conservação, exceto Áreas de Proteção Ambiental – APAs, e terras indígenas, de acordo com os critérios do protocolo do MPF4, e aqueles cancelados pelo SFB. Além disso, o modelo usa como mapas de entrada limites estaduais e municipais, módulos fiscais municipais, limite da Amazônia Legal, distribuição da vegetação, drenagem, uso da terra, desmatamento e áreas protegidas.

Utilizamos o mapa de municípios do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), para atribuir o geocódigo do município a cada registro CAR. Cada município brasileiro tem um tamanho para o módulo fiscal. Através do geocódigo do município o tamanho do módulo fiscal é atribuído ao CAR. O CF considera como propriedade pequena aquelas de 1 a 4 módulos fiscais5, como média aquelas entre 4 e 15 módulos fiscais, e grande propriedades aquelas maiores que 15 módulos fiscais.

Unidades de conservação públicas (exceto APAs) e terras indígenas homologadas6 e regularizadas foram utilizadas para calcular a área coberta por áreas protegidas por município e por estado, e os números resultantes foram atribuídos ao código CAR via geocódigo do IBGE.

O limite da Amazônia Legal foi estendido diversas vezes como resultado de mudanças na divisão política do país. Para o exercício do nosso modelo, o limite da Amazônia Legal7 foi usado para definir os requerimentos da Reserva Legal (RL).

As formações vegetais do Radam-Brasil são usadas para determinar a porcentagem de RL na Amazônia Legal, i.e., 80% para formações florestais, e 35% para outro tipo de vegetação. Fora da Amazônia Legal, o CF estabelece 20% de propriedade para RL. Quando uma propriedade sobrepõe biomas diferentes (i.e., Cerrado e Amazônia), é aplicada uma média ponderada.

Para calcular os requisitos de conservação e restauração de APP, nós usamos os mapas de drenagem, incluindo nascentes e corpos d’água, da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).

Nosso mapa de uso da terra é um mosaico composto por corpos d’água da ANA, categorias de uso da terra que identifiquem vegetação nativa remanescente e áreas agrícolas (chamadas ‘’áreas consolidadas’’) do Mapbiomas (coleção 6), e mapas de desmatamento atual do PRODES-Amazônia e PRODES-Cerrado8-12.

Nós aplicamos as regras e definições do Código Florestal (CF)1 para cada propriedade rural da base de dados do CAR obtida no SICAR – O Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural. Ao fazer isso, nós providenciamos estimativas do nível de conformidade em relação ao CF, i.e., déficits dos proprietários – áreas que devem ser reflorestadas às custas dos proprietários, ou excedentes, áreas de vegetação nativa que excedam os requisitos de conservação do CF (Fig. 1).

Para isso, desenvolvemos um conjunto de ferramentas de geoprocessamento inovadoras que lida com grandes conjuntos de dados, usando as extensões PostgreSQL e PostGIS, e o software livre Dinamica EGO 713. Este sistema aproveita de um processamento paralelo completo14. O sistema de execução do Dinamica EGO usa um variável número de thread de execução (chamados de workers) impulsionado pelos algoritmos task-stealing para fornecer balanceamento de carga e aumentar a flexibilidade para rodar tarefas  em paralelo. Em teoria, todos os componentes do modelo podem rodar em paralelo, incluindo operadores, loops e map tiles independentes15,16.

Melhorias substanciais na nossa capacidade computacional e ferramentas de modelagem permitiram uma reanálise do CF3,17 em escala fina, tornando viável estimar o balanço do CF; i.e., nível de conformidade, por todo território brasileiro em nível de propriedade. Esses avanços nos permitiram sair de uma resolução espacial de 60 metros3 para uma de 5 metros (a largura mínima de APP para restauração) usando processamento paralelo e otimização da alocação de memória. Todo o processamento dependeu dos recursos computacionais do Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais18. Todos os cálculos podem ser replicados baixando o software e abrindo os modelos do CF (csr.ufmg.br/radiografia_do_car) usando a interface gráfica amigável do Dinamica EGO.

Para calcular o balanço florestal (déficit e excedente), o modelo primeiro calcula a área total de cada propriedade onde a lei é aplicável. Depois o modelo gera buffers de largura mínima da APP necessária ao longo dos rios nascentes e corpos d’água de acordo com as regras do CF (Fig. 1). Para definir o tamanho do buffer tanto para as exigências das APPs de conservação quanto de restauração, o modelo utiliza o tamanho da propriedade (definida em número ou módulo fiscal conforme especificado para cada município) e largura do rio. Para calcular o tamanho do buffer de restauração para APP ripária, o modelo aplica uma série de regras chamadas de ‘’escadinha’’, no qual foram especificados o tamanho do buffer a ser restaurado de acordo com o tamanho da propriedade (definida em número ou módulo fiscal conforme especificado para cada município) e largura do rio.

Depois disso, o modelo aplica as regras do CF de acordo com o tamanho das propriedades para definir os requisitos da RL. No bioma Amazônico, a RL pode ser reduzida em até 50% em municípios que têm mais de 50% de seu território ocupado por unidades de conservação ou reserva indígena (Art. 12, II – § 4). A RL isenta pequenos proprietários (até 4 módulos fiscais) de restaurar o déficit de RL (Art. 67). Além disso, a lei estabelece uma porcentagem máxima da propriedade para restauração de RL (Art. 61-B), dependendo do total de sua APP ripária (Art. 15). Aqui nós consideramos o aumento do tamanho da Reserva Legal (RL) de 50% para 80% estabelecida pela Medida Provisória 1.511 de 1996 e 2.166-67 de 2001. O CF também estabelece que a porcentagem de RL para floresta restaurada pode ser reduzida para 50% nos estados da Amazônia que têm Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) aprovado.

Ademais, o artigo 68 do CF revisto em 2019 estabelece que proprietários que suprimiram a vegetação nativa respeitando a legislação em vigor naquele momento não precisa recuperar a RL até a porcentagem determinada na lei atual, i.e., 80%. Isso corrigiu a legislação anterior conflitante para trazer á legalidade “propriedades empurradas para o status ilegal”.

A diferença na definição da RL é a razão pela qual separamos o desmatamento antes de 2002 e deste ano em diante. O desmatamento antes e depois da lei deve ser analisado respeitando diferentes especificações no tamanho da RL. Nota-se que o tempo de ocorrência do desmatamento também é uma evidência para o artigo 68 do CF de 2012 como especificado no Parágrafo 1, a seguir:

“Os proprietários ou possuidores de imóveis rurais poderão provar essas situações consolidadas por documentos tais como a descrição de fatos históricos de ocupação da região, registros de comercialização, dados agropecuários da atividade, contratos e documentos bancários relativos à produção, e por todos os outros meios de prova em direito admitidos”1.

A sequência principal para obter o balanço do CF é mostrada na Fig. 1. Para cada propriedade o modelo subtrai a área total obrigatória para RL das áreas de vegetação nativa remanescente dentro de cada propriedade particular, e das áreas de vegetação nativa dentro dos buffers de APP customizados para chegar ao nível de conformidade. Nós definimos como resultado positivo o excedente ambiental e como resultado negativo o déficit ambiental.

Incertezas nas estimativas do CF surgem de sobreposições de propriedades e diferentes bases de dados de drenagem, bem como da acurácia dos mapeamentos.

Para fins de rastreabilidade, os resultados por propriedade são integrados aos mapas anuais de desmatamento9,10, mapas de cultivo de soja (Mapbiomas, coleção 7), e documentos GTA (Guia de Trânsito Animal). As análises do CF nos permite mapear o desmatamento potencialmente legal ou ilegal pós 2008 (em APP ou abaixo de um mínimo de RL) – o prazo de anistia para os antigos desmatadores3 – assim como conectar desmatamento ao fornecimento de gado e soja de cada fazenda pecuária e fazenda de soja na Plataforma SeloVerde.

Por sua vez, o CAR 2.0 utiliza de mapeamentos e modelos espacialmente explícitos baseados em imagens de alta resolução para analisar automaticamente a conformidade ambiental de cada propriedade rural através dos métodos descritos acima. Propriedades sem sobreposição e sem déficits de RL e APP significativos são direcionados ao Canal Verde, um processo simplificado de adesão ao PRA com base no auto-relato do proprietário, sem a necessidade de retificação de características de RL, hidrografia, uso da terra e outras características inseridas pelo proprietário.

  1. Brasil (2012) Lei Federal Nº. 12,727 (17 de outubro de 2012). Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011- 2014/2012/Lei/L12727.htm>.
  2. Rajão R, Soares-Filho B, Nunes F, Borner J, Machado L, Assis D, Oliveira A, Pinto L, Ribeiro V, Rausch L, Gibbs H, Figueira D (2020) The rotten apples of Brasil’s agribusiness. Science, 369(6501), 246-248.
  3. Soares-Filho BS, Rajão R, Macedo M, Carneiro A, Costa WLS, Coe M, Rodrigues HO, Alencar A (2014) Cracking Brasil’s Forest Code. Science 344, 363-364.
  4. Ministério Público Federal – MPF (2020) Protocolo de monitoramento de fornecedores de gado da Amazônia. Disponível em: <https://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr4/dados-da-atuacao/grupos-de-trabalho/amazonia-legal/Protocolodemonitoramentodegadov.12.05.2020.pdf/view>.
  5. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA (2013) Módulos fiscais por município do Brasil. Brasil: INCRA. Disponível em: <https://www.gov.br/incra/pt-br/assuntos/governanca-fundiaria/modulo-fiscal>.
  6. Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais – CSR/UFMG (2021) Áreas protegidas. Belo Horizonte, Brasil: CSR/UFMG. Disponível em: <www.csr.ufmg.br/maps>.
  7. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2020) Limites da Amazônia Legal. Brasil: IBGE. Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/geociencias/organizacao-do-territorio/estrutura-territorial/15819-amazonia-legal.html?edicao=30963&t=acesso-ao-produto>.
  8. Agência Nacional de Águas – ANA (2017) Base Hidrográfica Ottocodificada 1:250.000 (BHO250). Brasília: ANA. Disponível em: <https://metadados.snirh.gov.br/geonetwork/srv/por/catalog.search#/metadata/0f57c8a0-6a0f-4283-8ce3-114ba904b9fe>.
  9. Agência Nacional de Águas – ANA (2019) Massas d’água – versão 2019. Brasília: ANA. Disponível em:<https://metadados.snirh.gov.br/geonetwork/srv/por/catalog.search;jsessionid=2D7CA1AA9B2C516E7BA71AE6BF8A65B0#/metadata/7d054e5a-8cc9-403c-9f1a-085fd933610c>.
  10. Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil – MapBiomas (2021) Mapas de uso da terra – coleção 6.0 (base digital georreferenciada). Disponível em: <https://mapbiomas.org/colecoes-mapbiomas-1?cama_set_language=pt-BR>
  11. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE (2022) Projeto Prodes – Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite. Disponível em: <http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/downloads/>.
  12. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE (2022) Projeto Prodes – Monitoramento de Desmatamento no Cerrado. Disponível em: <http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/downloads/>.
  13. Soares-Filho BS, Rodrigues HO, Follador M (2013) A hybrid analytical-heuristic method for calibrating land-use change models. Environmental Modelling & Software 43, 80-87.
  14. Argemiro T. Leite-Filho, Britaldo S. Soares-Filho, Juliana L. Davis, Hermann O. Rodrigues (2020). Guidebook 2.0 Dinamica EGO. Disponível em: <https://www.csr.ufmg.br/dinamica/dokuwiki/doku.php?id=guidebook_start>.
  15. Rana S. (1993) A distributed solution of the distributed termination problem. Information Processing Letter 17, 43-46.
  16. Blumofe R., Leiserson C. (1999) Scheduling multithreaded computations by work stealing. Journal of Association for computing Machinery 46, 720-748.
  17. Soares-Filho BS, Rajão R, Merry F, Rodrigues H, Davis J, Lima L, Macedo M, Coe M, Carneiro A, S7ntiago L (2016) Brasil’s Market for trading forest certificates. Plos One 11(4), e0152311.
  18. Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais (CSR/UFMG). Disponível em: <www.csr.ufmg.br>